quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Quanto mais CID, melhor !

Antes de descer à terra, estava meu digníssimo espírito perambulando por aqui, conhecendo esse mundo onde eu nasceria - a propósito, péssima escolha de mundo, eu sei, mas agora não tem mais como reverter a situação; já tou aqui e não tem volta - enquanto meu espírito de artista ia fuçar a vida das personalidades mais curiosas da Terra. Passei por muitas pessoas interessantíssimas, de várias nacionalidades. Ia de personalidade em personalidade, à velocidade da luz, coletando todos os dados possíveis. E creio que tenha levado muito a sério a Clarice Lispector, na época em que colei nela, quando disse: “Não suporto meios termos. Por isso, não me doo pela metade. Não sou sua meio amiga nem seu quase amor. Ou sou tudo ou sou nada”

Levei muito ao pé da letra o que ela disse e até exagerei – se for pra ser louca, não vou ser pela metade, vou querer ser doida de pedra! Na hora de escolher os sofrimentos e alegrias que iria viver, resolvi que loucura pouca era bobagem. Eu não queria ter um distúrbio ou dois, queria ter logo uma coleção de CID's. Ah, pelo que eu via, quanto mais CID's, mais interessantes as pessoas. E essa coisa de CID (CID, CID, CID) de fato me encantou muito. Engraçado como esses médicos dão nomes às doenças e transtornos e os descrevem –  e são as descrições mais engraçadas possíveis! Então, imaginei que esse mundo de insanidade, CID's, psiquiatria e coisas relacionadas seriam a diversão da minha vida. Estava decidido. Falei:

- Deus, me dê muitos CID's. Quantos existem? Deixa eu escolher uns 10 pra mim? Como assim não? Dez CID's é perigoso? Mas ô, Pai, quero tanto ser doida que nem o Woody, a Clarice, o Caio Fernando Abreu, a Marilyn Monroe, a Judy Garland. Ah, Painho, esse povo louco é o máximo! Por favor, por favor, deixa eu ter pelo menos uns 7 CID's?

Em sua infinita misericórdia, Ele me olhou com carinho e disse:

- Minha filha, você não tem juízo! Não sabe o que está pedindo!
-Ah, mas tenho certeza de que saberei lidar com os CID's, meu Pai! - respondi - Já passei por situações muto piores e menos divertidas em outras vidas. Além do mais, estou encantada com essa nova ciência, a Psicanálise.
- Ok, filhote - respondeu Deus. Sei que você vai encher tanto o meu saco que eu prefiro nem discutir. E, além do mais, o que você me pede rindo que eu não faça chorando? Ok, ok, então. Mas pelo menos deixa eu mandar uns anjos pra Terra pra te ajudar a lidar com os CID's, minha querida... Hum.... Deixe-me ver os pobres coitados que vão entrar nessa jornada com você pra segurar a peteca... Bom, sua mãe vai ser essa linda moça de Teófilo Otoni, Ivone Maria W. Um dos maiores corações do mundo. Mas não estou a escolher ao acaso, ela foi sua filha Génovève, naquela vida que você passou na França. E foi sua avó quando vocês estiveram no Senegal. E foi também sua irmã quando vocês viveram na antiga Fenícia e ela até se sacrificou em seu lugar.
- Mas, PAI, é muita generosidade da sua parte deixar eu nascer de Teca... Só que, Pai, ela é uma pessoa tão maravilhosa, e já sofreu tanto ao meu lado. Você não acha que ela merece ter uma vida mais tranquila, especialmente nesta Terra tão cruel de hoje? Ela já passou por tanta coisa nessa encarnação. E somar isso a uma filha tão complicada... Veja, meu Pai, eu sei que é arriscado eu descer com tantos CID's. Mas é que eu estou fascinada mesmo com esse negócio de Psiquiatria. Sou fã número 1 desse tal de Freud. Mas compreendo bem que vai ser muito sofrimento. Tenho ciência de que será uma vida muito interessante, mas sei também que nela pagarei muitos karmas e já fui informada de que sofrerei bastante e existe a possibilidade de que eu me suicide. Seria muito tormento para Teca. Ela é meu coração, Pai. Não sei se devo fazer isso com ela.

Então, o Eterno olhou para mim, e disse:

- Filha, eu já sabia de suas intenções. E já concebi a Teca preparando-a para ser a sua mãe. Esqueceu-se de que sou Onisciente e sei de tudo? Me fiz de sonso, mas já sabia que você viria aqui me pedir tudo isso.

Com lágrimas no rosto, eu agradeci ternamente a Ele. Depois de toda a emoção, perguntei:

- E um pai lá na Terra para dar suporte a ela, eu vou ter?
- Mas claro, já está escolhido! - respondeu o Altíssimo - É Manoel, um cabra muito macho lá das terras de Jorge Amado, ele é também cacauicultor.
- Mas ahhhh, não creio, Todo Poderoso! Que maravilha poder ter um pai da Terra da Gabriela!

Deus não falou nada no momento, mas deve ter pensado: “Sabe de nada, inocente!” rsrsrs

(a continuar)